domingo, 1 de maio de 2011

KWAT'MARE: OS FILHOS DA COBRA GRANDE NO REINO DO EL-DORADO

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tributo a Ivonilo Dias Rocha,
exemplo de homem público a serviço
do Exército brasileiro, do Itamaraty
e da integração dos países amazônicos.
Cujos restos mortais jazem junto a um
marco de limites na fronteira entre
o Brasil e a Colômbia.


Por acaso, no Dia do Trabalho, começo eu este exercício destinado a todos e a ninguém: leitura das 1064 páginas da obra "Seja Feita A Vossa Vontade - A Conquista da Amazônia: Nelson Rockefeller e o Evangelismo na idade do Petróleo", de Gerard Colby e Charlotte Dennett, tradução de Jamari França, Editora Record: Rio de Janeiro / São Paulo, 1998; em cotejo à memória de minha primeira viagem à fronteira Brasil-Venezuela (Roraima, lendário país do El-Dorado, na cordilheira Parima, berço de Macunayma).

Preguiça e Trabalho rivalizam na fronteira dialética entre Bárbaros e Civilizados. A verdade passa mal na floresta de letras onde linhas tortas serpenteiam no divisor de águas deste blogue estúrdio. Todavia, fica claro que o blogueiro é advogado do Diabo e discípulo da mestiçagem tropical sob manto sagrado de santa Maria morena de Guadalupe. Tomo partido na questão do direito à preguiça que assiste aos fracos e oprimidos colonizados da teoria econômica das ilimitadas necessidades da santa madre Civilização ocidental cristã.

A crista da ironia é lembrar o herói sem nenhum caráter, reinvenção de Mario de Andrade sobre mito taurepã "cheio de malícia e preguiça": vivo contraste moral calvinista da acumulação de capital. Ao teclar a conversa dos lesados da Terra em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém, penso nos motivos ocultos da tragédia de Chicago (EUA) 1886.

Mas, a "descoberta" da América (aliás, Americ nome maya da Nicarágua, no sentido de "país do vento") pelo cristão-novo ou cripto-judeu Cristóvão Colombo custou imediatamente, à vista, 20 mil escravos Lucayos (Aruak) capturados pelos espanhóis nas Bahamas para buscar ouro no Haiti. O pior da estréia civilizacional foi aquilo que Bartolomeu de Las Casas denuncia em "A destruição das Índias": que, em vez dos monarcas cristãos aportar o Cordeiro de Deus para pacificar bestas feras que diziam haver no Novo Mundo, mandaram lobos famintos que matam e decepam os cordeiros...

A legenda genocida da Conquista começou logo na primeira viagem de Colombo e, como se vê, ainda não terminou na conquista da "última fronteira da Terra", a Amazônia... Há mais de meio milênio, ao chegarem as naus Pinta, Nina e Santa Maria à ilha Guaanani (logo batizada de ilha do Salvador, dizem historiadores por malícia do Almirante querendo dar a entender o Messias, mas na verdade pensando em seu irmão Salvador Colombo como futuro donatário...) uma das três caravelas deu de encontro aos arrecifes submersos e foi a pique. Daí vem o topônimo que ficou da primeira ilha conquistada, chamada de 'Baja-Mar'(Bahamas). Nem Guaanani dos índios Lucayos, nem Salvador dos castelhanos. Que fizeram os "índios" (que, na verdade, não estavam na Índia)? Foram os salvadores dos náufragos e cuidaram de salvar os bens e o navio de seus algozes que acabavam de chegar.

Em pagamento, 20 mil Lucayos foram aprisionados e levados como escravos para cavar ouro no Haiti, que passou a se chamar Hespaniola (atuais República Dominicana e a infeliz Haiti). A origem de Cristóvão Colombo é considerada obscura por alguns estudiosos. Fernando Colombo, seu filho, na "Historia del almirante Don Cristóbal Colón" ocultou a pátria de origem de Colombo, afirmando que o seu pai não desejava que fossem conhecidas tais fatos.

A prudência do "descobridor" não explica muita coisa do Novo Mundo, mas dá pistas interessante para descobrir a cultura intolerante do velho mundo. A fome e a miséria da Diáspora, a violenta romanização, invasão árabe da Europa, guerra de Reconquista. Sob as brunas do mistério foram, pouco a pouco, surgindo hipóteses sobre o lugar de nascimento de Cristóvão Colombo. Destas destacam-se hipóteses da origem portuguesa, catalã ou galega.

A naturalidade portuguesa de Cristóvão Colombo se baseou em seus escritos, na interpretação do anagrama da assinatura de Colombo e nos topónimos dados pelo navegador às terras que descobriu. Menéndez Pidal confirmou o portuguesismo dos textos do descobridor, discordando do galeguismo ou catalanismo. Entretanto, o historiador Antonio Romeu de Armas diz que isto se deve não por ele ser português, mas devido a vários anos que viveu em Portugal. Ademais, existem conjecturas sobre possível origem judaica sefardita, conforme a tese de Salvador de Madariaga. Para este, Colombo seria genovês de nascimento, porém seus antepassados seriam judeus da Catalunha, fugindo do anti-semismo do fim do século XIV. Por fim, Colombo seria um judeu convertido ao cristianismo, razão que explicaria o próprio nome "Cristóforo" (portador de cristo, conforme a lenda de São Cristóvão, originada na Síria), segundo Madariaga, vinha desse caldo de cultura europeu seu afinco em ocultar as suas origens.

Eis aí o fundo de cultura do extremo ocidente transportado às Américas. Cortina de fumaça da teoria do segredo, que escondeu a "Descoberta" permitindo o horror da destruição das Índias Ocidentais pelos conquistadores do velho catolicismo ibérico e a colonização protestante sintetizada no cínico axiona yankee: "índio bom é índio morto".

Sem dúvida, tal fundo de cultura ocidental cristã no Novo Mundo serviu de leit motif aos crimes da indústria do automóvel casada com a ditadura do petróleo. Ou melhor, o império mortal dos petrodólares... Portanto, não devia espantar o fato de que que a roda da fortuna gira sobre montanhas de cadáveres e membros mutilados de escravos e míseros assalariados de milhões e milhões de "negros" da Terra além da melanina.

Eu também sou do lado de Jesus ressuscitado da Cruz, como diz Gilberto Gil; mas eu acho que Ele se esqueceu de avisar que pra sobreviver aqui na terra a gente tem que achar jeito de viver sem trabalhar mais do que o necessário. Marx talvez devesse prestar mais atenção ao seu genro mestiço Paul Lefargues, com o sarcástico "Direito à Preguiça" levado a sério como instrumento de greve geral aos malfeitos da globalização. Não está claro, na reivindicação de redução da jornada de trabalho que ficou na história de 1º de Maio?

Naquele dia teve início a greve geral nos Estados Unidos e no dia 3 de maio houve levantamento operário e enfrentamento com a polícia, levando à morte de manifestantes. No seguinte, novo protesto terminado com uma bomba ao meio dos policiais matando sete agentes. Até parece avant première do massacre de Eldorado de Carajás: repetição da história como farsa... Em represália, a polícia do Capital abriu fogo sobre a multidão de trabalhadores, matou doze pessoas e feriu dezenas de manifestantes da Revolta de Haymarket. Um contínuo da luta de classes que vem pelas margens dos caminhos das Índias até os nossos dias, na idade do petróleo e da mudança climática.

Colby e Dennett vieram investigar de perto a tragédia do Novo Éden, em 1976. Eu, por minha parte, sem nenhuma pretensão maior do que acrescentar ao magro salário "gratificação de campanha" para dar acabamento a uma modesta residência no subúrbio de Belém (onde moro até hoje), no ano de 1977 fui pela primeira vez a Roraima. Lá, durante cinco meses, permaneci no rio Uraricoera, curso superior do Rio Branco, onde participei de acampamento da Comissão Mista Brasileiro-Venezuelana Demarcadora de Limites: uma verdadeira escola de fronteira. O casal de jornalistas investigativos norte-americanos havia realizado sua viagem a Amazônia em busca da verdade a respeito de noticiário da imprensa sobre atrocidades cometidas contra os direitos humanos dos índios, supostamente praticados pela CIA em conluio com ditaduras da região e o célebre Instituto Linguístico de Verão (SIL).

Nas faixas de clima temperado das Américas, a colonização de ocupação exterminou pele-vermelhas e manadas de bisões sem nenhum remorso. Pelo contrário, converteram o genocídio em mercadoria com heróis de cinema bang-bang e revistas de quadrinhos. Porém, no trópico úmido, o colonizador branco deu com os burros n'água... Aqui, sem índios e negros escravos o tesouro do El-Dorado não valeria uma pataca. Como fazer? Matar o índio ainda, mas lhe cativar a alma para ser escravo voluntário: a genial invenção do caboco (homem extraido do mato para a aldeia missionária) e do crioulo (o mestiço indolente e astuto), capaz de acender uma vela a Deus e outra o Diabo até o fim dos tempos.

Porém, o mundo é mais complexo do que imaginam teólogos fundamentalistas e profetas do esquerdismo humanista. Os povos são mais parecidos uns com os outros do que a biodiversidade e diversidade cultural deixa tansparecer. As fronteiras feitas para separar colônias e províncias, também aproximam. Os continentes são mundos diferentes, mas a Terra é única.

Intelectuais como Giorgio Agamben, Hannah Arendt e Slavoj Zizek utilizaram o termo "Homo sacer" para mostra a condição de povos estigmatizados. Slavoj Zizek toma com referência o povo do Afeganistão, o termo se refere a povos que adquirem um modo de existência sagrada, paradoxalmente, negativa todavia imprescidível. Ele usa a imagem do avião distribuindo comida e roupa para população atacada por bombardeio. Eu penso que povos "amazônicos" tornados "índios" por decisão de seus "protetores" se acham incluídos na categoria de "intocáveis" das Índias Ocidentais...

"Homo sacer" é uma figura enigmática da lei romana: pessoa que é excluída de todos os direitos, enquanto a sua vida é considerada "santa" em um sentido negativo. Ainda, pode ser morto por qualquer um, porém não pode ser morto em rituais religiosos. A lenda de Caim, na mitologia judaico-cristã, define a maldição dessa gente. Na mitologia amazônica, os índios são filhos da Cobra grande (uma entidade cósmica que toma forma de Anaconda e vive nos rios): por coincidência, a serpente do Jardim do Éden é o simbolo do Mal na cultura mesopotâmica. O processo de mestiçagem de corpos e espíritos, através das diversas culturas de fronteira, está longe de chegar a termo.


Mas, para começo de conversa, eu era apenas um rapaz nativo da ilha do Marajó, descendente de índios e emigantes da região da Galícia (Espanha) e Açores (Portugal). Por necessidade e acaso, aprendi um pouco do trabalho do campo e da feira do Ver O Peso (Belém), com alguma sorte arranjei emprego de comerciário, office boy em escritório de advogado, passei por curta experiência de repórter na imprensa do Pará e colaborei na mídia nacional; um dia me lancei em louca aventura política na terra natal, Ponta de Pedras, terminando em derrota eleitoral e perda do emprego no "Jornal do Dia". Com uma mão à frente e outra atrás, fui ser secretário-contador da prefeitura municipal de Faro.

Começa aí meu aprendizado da "grande oval insular das Guianas" (geógrafo Raja Gabaglia) e da área cultural guianense, inclusive ilha de Trinidad e arquipélago do Marajó (sociólogo Ciro Flamarion Cardoso): advirto que sou leitor ávido e dono de uma curiosidade infantil insaciável. Foi assim que fiz carreira no serviço público de meu país, e assim acabei descobrindo o país do Eldorado, terra dos Ianomami. Agora uma pausa. Até logo mais

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