sábado, 19 de junho de 2010

Saudades da Terra: conflito, colonialismo e devastação na Amazônia [5, final].

Neste ofício, quem manda escrever é a necessidade. O grito a quebrar o silêncio na ilha da distância. Eu por mim não mando nadinha: tenho juízo de obedecer ao impulso vital que me chega ao cérebro e ao coração através do arco das gerações passadas, sempre ansiosas em abrir caminhos ao que há de ser. De todo modo, quem decide o que fazer, como e quando é o tal de acaso. O acaso, mais forte que o destino; mais miraculoso que um deus grego; leva ele a garrafa do náufrago à deriva para dar à praia onde bem entender. É claro que há neste jogo limitadas possibilidades, todas pendentes do dito cujo que um ingênuo acreditaria ser capricho do destino. Fica convencionado, para efeito de trégua entre a santa madre igreja católica apostólica romana e a patota dos amigos do ateu José Saramago, que onde se lê "Acaso" é lícito ler "Deus", ou vice-versa.

As saudades da terra geraram por meu pobre intermédio quatro prosapoesias postadas no sítio Vermelho (www.vermelho.com.br), eu havia resolvido encerrar com uma mais, que agora será esta. Entretanto, o texto pronto da quinta saudade se evaporou por acaso num bug de software e a maré de elétrons levou tudo ao fundo do abismo. Com mãos abanado, suspirei conformado: ainda bem que antes desta me lembrei do mito de Sísifo. Haja a fazer tudo de novo: nada estranho para quem vai dobrando a casa de 73 outubros e queria ser romancista aos 16 anos de idade... As saudades revividas chegaram até minha ilha imaginária a bordo do notebook, via internet, desde o seiscentismo das ilhas dos Açores, donde Gaspar Frutuoso coletou saudades alheias e suas para viajar no tempo e espaço até a notícia da ilha "Graciosa, refúgio paradisíaco", obra sentimental de Fernando Silva.

O acaso fez-me, então, o favor de mandar a garrafa do amigo português entregue à corrente desde o arquipélago dos Açores. Curiosa conexão da infinita correnteza de neurônios que liga vidas e vidas além da morte de muita gente deste e outros mundos! Graças a sensibilidade de Fernando Silva, ao buscar asilo a seus pesares na Graciosa, pude revisitar o passado e buscar descobrir no futuro novas ilhas Afortunadas, tal qual Gaspar Frutuoso um dia lavrou nos começos ultramarinos no nebuloso mar da lenda e pré-história das ilhas do Atlântico. Ora, é caso de que estamos todos e todas enlaçados no tempo... Morremos todos e ressuscitamos todos na vida e na morte de uns e dos outros.

Eu tinha necessidade de reescrever a quinta e última saudade da série, quando deu-se o acaso da morte ir a Lanzarote visitar José Saramago enfermo para lhe dizer, como anjo exterminador: basta, José; já viajaste muito e inventaste muitos roteiros de viagem e estórias. Agora chega de ser gente. Urge que voltes ao pó original para que teu pensamento livre de outras inquietações seja estrela do firmanento na rota memorial das velhas navegações para descobrimento das ilhas Afortunadas no mundo achado e por achar...

E se nada disto é verdade, por acaso da invenção e minha pena está dito aqui e agora com fé sebastianista da ressurreição natural da vida eterna enquanto dura. Embora a história nunca se repita e ninguém mergulha duas vezes no mesmo rio; não é menos verdade que o ir e vir da maré, o fluxo e refluxo das necessidades; ficam entregues ao acaso de sucessivas soluções e sucessivos problemas ad nauseum... Destarte a vida e a morte são duas faces da existência. Ao fim e ao cabo, se Deus não criou o homem, o homem criou a Deus na ingênua ambição da eternidade, esta criancice da mente. Não fosse a cegueira humana inventar e pintar o diabo: aqui a coisa muda de figura e o que era bem se torna mal... Exemplo geral, as Ilhas Afortunas foram causa de diveros infortúnios, a rica ilha do Brazil atraiu a pobreza da Europa e fez miséria no Novo Mundo; o tesouro do El Dorado fomentou o inferno verde no Novo Éden...

Culpa de quem? Da cegueira, diria prontamente o padre Antônio Vieira no "Sermão aos Peixes"... Se fosse o pecado original de Eva e Adão - a mulher porque deu "ouvidos" à mentira da Serpente e o homem porque não resistiu ao fruto oferecido - o Criador estaria encrencado perante qualquer juízo racional. Pois, os primeiros humanos eram inocentes como as plantas e os bichos do Éden ou dotados de razão e consciência não foram suficientemente instruídos sobre o perigo da explosão demográfica. Erro de planejamento cósmico? Impossível para um ser onisciente. Se Ele fizesse criaturas tão desvalidas assim para colocar toda culpa do universo sobre elas; não poderia ser misericordioso o Criador e deixar em dúvida nobres almas, tais como Madre Tereza de Calcutá, consumida na solidão...

Era preciso crer na vida além da própria vida para vencer a morte, tal qual no Evangelho segundo Jesus Cristo. Ou encarar a morte como condição absoluta da sucessão natural das coisas: acho eu que Saramago optou por este atalho da consciência, incansavelmente, sem se preocupar em ser simpático a ninguém nem poupar a qualquer tradição. Foi pois a "Viagem a Portugal" que me deu oportunidade de mandar minha garrafa de náufrago sob capa da "Revista Iberiana" [Belém-PA, Brasil, 1999] com título de "Novíssima Viagem Filosófica"...

A garrafa que não chegou a Lanzarote, por acaso andou de mão em mão mas muitos não a abriram e os que abriram não gostaram ou não entenderam a mensagem do viajante do roteiro do sábio Alexandre Rodrigues Ferreira, exceção de Paolo Carlucci que se tornou o maior divulgador do achado iberiano no rio das Amazonas e do professor Sergio Nunes, que logo viu na escrita caboca saída da floresta amazônica vestígios, como que miraculosos, da filosofia tardia de Giambattista Vico no século XXI... Melhor ainda: Fernando Silva acertou na mosca, quando adivinhou que por aí vai a prístima herança das Ilhas Afortunadas. A emendar, por acaso, o roteiro de Almeida Garret com a viagem filosófica ao Grão Pará, Rio Negro e Mato Grosso... Visita sentimental à chusma de vilas e lugares portugueses superpostos (à muque) sobre o chão de aldeias jesuíticas da invenção da Amazônia.

Posto que há muito a falar sobre terras e mares que Portugal descobriu é prudente ficar por aqui com as saudades antigas. Preparar a barca do sonho para outras aventuras com vistas a boa esperança da lusofonia transnacional até a volta triunfal do encoberto rei dom Sebastião. Ou seja, do reino de Deus baixado à terra humana. Grande invenção do Apocalypso pós-devastação da Amazônia! São José Saramago chanceler de Jesus Cristo na terra dos Tapuias, secretário de estado do Quinto Império do vasto mundo de Drummond; capital em Belém do Grão Pará onde a heresia dos índios fez levantar o Presépio com os turcos encantados, reis Magos, as tribos perdidas do cativeiro da Babilônia e do rio Babel sob protetorado celeste da santa mãe de Deus de Nazaré soberana do círio em Belém d'Amazônia...

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